Nesse texto vamos discutir o que são as medidas alternativas de medição de desempenho ou medidas non-GAAP. Sendo assim, abordarei os seguintes tópicos:
Boa leitura!
A princípio, para entender o que são as medidas non-GAAP, é necessário antes entender o que significa GAAP. A sigla GAAP vem de Generally Accepted Accounting Principles e são os princípios contábeis geralmente aceitos, numa tradução livre para o português.
Por exemplo, os US GAAP são os princípios contábeis aceitos no contexto americano, os quais são emanados pelo FASB. Por outro lado, os princípios baseados em IFRS são os adotados em mais de 120 países ao redor do mundo, sendo estes emitidos pelo IASB. A utilização desses princípios faz com que os relatórios divulgados pelas empresas sejam padronizados, permitindo que os stakeholders (investidores, bancos, analistas, etc) possam comparar as informações entre empresas diferentes.
Todavia, ao limitar as práticas de divulgação das informações, os GAAP impõem um grau de uniformidade às entidades cujas operações e políticas são caracterizadas por uma heterogeneidade substancial. Desse modo, nem sempre o resultado das empresas consegue capturar aspectos importantes do desempenho, surgindo uma demanda por medidas personalizadas de desempenho.
É nesse contexto que surgem as medidas non-GAAP, que são medidas alternativas ligadas à rentabilidade das empresas que estão fora do âmbito dos princípios contábeis geralmente aceitos. Estas medidas non-GAAP, incluem ou excluem alguns componentes do resultado que são considerados transitórios ou não monetários, ou seja, estas medidas não consideram ganhos ou despesas que não fazem parte das atividades recorrentes da empresa ou que não alteram o seu caixa naquele período específico. Nesse sentido, essas medidas são divulgadas de forma adicional e voluntária pelas empresas.
Além de tudo, o crescimento exponencial da oferta e demanda de medidas non-GAAP torna esses indicadores de desempenho como os mais usados para a avaliação dos investidores (CFA Institute, 2016).
Em síntese, as principiais diferenças entre as duas medidas são:
Para entender melhor a lógica dessas medidas, podemos considerar um exemplo simples. O resultado das empresas, de maneira bem resumida, é mensurado da seguinte forma:
Receita líquida
(-) Custos dos produtos vendidos
(-) Despesas de vendas
(-) Despesas gerais e administrativas
(-) Pesquisa e desenvolvimento
(-) Depreciação/amortização
(+/-) outras receitas/despesas
(-) Impostos
(=) Resultado
Nesse sentido, se analisarmos a estrutura acima, podemos perceber que das receitas, são deduzidos diversos gastos da empresa como o custo dos produtos vendidos, as despesas gerais, entre outros. A maior parte deles são gastos que afetam o caixa da empresa. Ou seja, a empresa paga seus fornecedores pelos produtos a serem vendidos, paga pelo que é gasto com marketing, paga os salários dos funcionários, etc. No entanto, as despesas com depreciação e amortização são consideradas como despesas não desembolsáveis, ou seja, não alteram o caixa da empresa naquele período. Além disso, outras receitas ou despesas que aparecem no período, podem não fazer parte das operações normais da entidade. Logo, o resultado reportado considerando essa estrutura, que é a estrutura baseada nos GAAPs, pode não representar a “verdadeira” realidade das operações dessa empresa no período reportado.
Por isso que os gestores, de forma complementar, “ajustam” o resultado da empresa e divulgam essas medidas que não consideram itens que não alteram o caixa ou que não fazem parte das operações normais da entidade.
Por não serem padronizadas, existem diversas medidas non-GAAP que são calculadas de diferentes formas. De acordo com Andrade e Murcia (2019), diferentes termos como “extraordinários”, “não recorrentes”, “não operacionais” e “não usuais” têm sido empregados pelas empresas de forma a justificar as divulgações de medidas non-GAAP. Alguns exemplos de medidas non-GAAP divulgadas pelas empresas são:
Por exemplo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2017), uma das medidas financeiras non-GAAP mais utilizadas no contexto Brasileiro é o Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization (EBITDA).
Essa medida considera o potencial de geração de caixa de uma empresa excluindo os efeitos financeiros, de impostos e da depreciação e amortização (Andrade e Murcia, 2019).
No que se refere às exclusões, de acordo com Black et al. (2018), alguns exemplos de itens que são excluídos/incluídos no cálculo de medidas non-GAAP são:
No Brasil, através da instrução CVM 527, a comissão de valores mobiliários brasileira busca padronizar a divulgação do EBITDA (LAJIDA) e o EBIT (LAJIR). A referida norma evidencia que a mensuração das referidas medidas devem ser divulgadas com base nos números apresentados nas demonstrações contábeis, estando de acordo com o pronunciamento técnico CPC 26 – apresentação das demonstrações contábeis. Nesse sentido, não podem entrar no cômputo dessas métricas, valores que não constem nas demonstrações contábeis, em especial, na demonstração de resultado do exercício.
A grande discussão em torno das medidas non-GAAP está relacionada à qualidade dessas medidas e também às intenções dos gerentes ao divulgá-las. Pesquisas nesta área, forneceram dois motivos diferentes que levam os gerentes a divulgarem esse tipo de medida. Por um lado, a liberdade de escolha dos gerentes na divulgação de medidas não-GAAP pode ajudar os investidores a determinar com mais precisão a realidade econômica de uma empresa (motivo altruísta). Ou seja, os gestores divulgam essas informações com o objetivo de trazer informações com mais acurácia para os investidores.
Entretanto, destacam-se os interesses pessoais dos gerentes (motivação oportunista), ou seja, os gerentes podem decidir dar maior ênfase às medidas non-GAAP nos relatórios financeiros com o objetivo de distorcer a percepção dos investidores. Além disso, cada vez mais as empresas excluem diferentes itens ao calcular as medidas non-GAAP, dificultando a compreensão destas. Isso ocorre por que as medidas non-GAAP oferecem aos gerentes a oportunidade de redefinir os ganhos GAAP excluindo despesas ou receitas que não se espera que venham a ocorrer no futuro, o que representa informações adicionais sobre a natureza dos lucros (Doyle, Jennings e Soliman 2013).
Sendo assim, como as divulgações non-GAAP geralmente apresentam resultados mais altos do que os das demonstrações financeiras. Os participantes do mercado podem ter julgamentos positivamente tendenciosos se usarem esses valores ajustados para a tomada de decisões. Esses vieses podem resultar em aumento injustificado dos preços das ações.
Em resumo, é importante estar atento às medidas alternativas de lucro ou medidas non-GAAP que são divulgadas pelas empresas, pois elas podem trazer informações adicionais sobre o seu desempenho. O problema é que, enquanto países como Estados Unidos já possuem normas que obrigam as empresas a apresentarem uma reconciliação entre os lucros GAAP e os non-GAAP, a maioria dos países não possuem normas que regulem as medidas non-GAAP. Desse modo, não se sabe ao certo se realmente as empresas divulgam essas medidas com boas intenções ou se fazem isso em benefício próprio.
Andrade, G. V. e Murcia, F. D. R. (2019). Uma análise crítica sobre os ajustes adicionais considerados nas divulgações da medida não GAAP “EBITDA ajustado” em relatórios de companhias listadas brasileiras. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade, 13 (4), 469-486.
Black, D., Christensen, T., Ciesielski, J., and B. Whipple (2018). Non-GAAP reporting: Evidence from academia and practice. Journal of Business Finance and Accounting, 45, 259-294.
CFA Institute (2016). Investor uses, Expectations, and Concerns on Non-GAAP Financial Measures.
Doyle, J., J. Jennings, and M. Soliman (2013). Do managers define non-GAAP earnings to meet or beat analyst forecasts? Journal of Accounting and Economics, 56 (1), 40–56.