Por Artur Horta
A Minerva, maior exportadora de carne bovina da América do Sul, registrou o primeiro prejuízo em 12 trimestres, causado pela pressão da alta da taxa de juros brasileira e por variações cambiais sobre o resultado financeiro, além da maior necessidade de investimento para aquisições.
Segundo o balanço divulgado nesta quinta-feira, o frigorífico registrou prejuízo líquido de R$25,7 milhões no quarto trimestre de 2022, frustrando o consenso Mover, que previa um lucro de R$276 milhões. No mesmo período do ano passado, a Minerva lucrou R$150,3 milhões.
A receita líquida recuou 8,9% em um ano, para R$6,84 bilhões, abaixo da estimativa de R$8,26 bilhões. Já o lucro operacional aferido pelo EBITDA tombou 17,4%, para R$607,5 milhões, frustrando o consenso de R$787,3 milhões.
O resultado financeiro foi negativo em R$562,4 milhões, refletindo uma taxa de juros mais elevada e um “impacto negativo de R$198,4 milhões relativo aos instrumentos financeiros de proteção cambial”, informou a Minerva em um trecho do balanço.
Já o fluxo de caixa livre foi negativo em 132,4 milhões, revertendo os R$536,4 milhões positivos do trimestre anterior, diante da maior necessidade de investimento para a conclusão da compra da Australian Lamb Company e outras aquisições no exterior.
O Uruguai, país onde a Minerva lidera em carne bovina, passa por um ciclo pecuário desfavorável. As operações no país registraram uma queda de 39,6% na receita bruta na base anual, para R$768,8 milhões. O Brasil, por outro lado, vive um ciclo favorável e viu o indicador crescer 5,6% na mesma base de comparação, totalizando R$3,46 bilhões.
As vendas totais do frigorífico atingiram 303,2 mil toneladas no quarto trimestre, alta de 5,3% no comparativo anual, enquanto os abates recuaram 4% na mesma base, para 855,3 mil cabeças.
As ações ordinárias da Minerva (BEEF3) encerraram o pregão em alta de 3,51% na B3 na quinta-feira, cotadas a R$11,80.
Risco sacado
A Minerva mostrou pela primeira vez em seu balanço patrimonial uma conta bilionária denominada “Fornecedores Convênios", que é equivalente à operação risco sacado, em meio a uma maior preocupação do mercado sobre a prática após o estouro da crise da Americanas, apesar desses processos serem comumente realizados pelas empresas.
A operação, também conhecida como “forfait”, entrou em evidência por ter sido o pivô das "inconsistências contábeis” de R$20 bilhões divulgadas pela Americanas - que levaram a centenária varejista à quarta maior recuperação judicial do país.
Para analistas consultados pela Mover, a separação dessa rubrica pela Minerva mostra como o episódio da Americanas tem feito empresas, investidores e órgãos reguladores dedicarem mais atenção ao tema.
Segundo balanço divulgado pela Minerva na noite de ontem, o passivo junto a fornecedores soma R$3,52 bilhões, valor 5,5% menor que um ano antes. Deste montante, R$1,74 bilhão está na rubrica “Convênios”, formada a partir de transações mercantis recorrentes entre a companhia e seus fornecedores de matéria-prima.
Com os convênios, “são gerados passivos financeiros que integram programas de captação de recursos por meio de linhas de crédito da Companhia junto a instituições financeiras, o que possibilita aos fornecedores antecipar recebíveis”, disse a Minerva em uma nota explicativa do balanço.
“É a definição de risco sacado”, disse à Mover o analista de um grande banco de investimento, sob condição de anonimato.
Mais cedo hoje, o diretor financeiro do frigorífico, Edison Ticle, afirmou que a linha pode ser chamada de risco sacado. “Não é palavrão, não tem problema nenhum”, pontuou o executivo durante teleconferência de resultados do quarto trimestre.
Nas notas explicativas, o frigorífico diz que a operação tem um custo financeiro médio de 1,19% ao mês. Ainda, a empresa ressalta que “por preservar as condições negociais com os fornecedores, estas transações foram avaliadas pela administração e concluiu-se que possuem características comerciais”, portanto, serão mantidas na rubrica “Fornecedores”.
De acordo com Ticle, a operação é mercantil e não se altera entre o fornecedor e Minerva, mas sim entre o fornecedor e a instituição financeira. Este seria o motivo para classificar a operação na linha de “Fornecedores”.
Ainda não há consenso sobre qual linha do balanço devem estar as operações de “risco sacado”. Segundo o Valor Econômico, a Comissão de Valores Mobiliários já recomendou que, se houver entendimento de que a operação se trata de uma dívida bancária, esta deve ser reclassificada no balanço como tal.
Outro analista, que também pediu para não ser identificado, disse que, com a crise da Americanas, passou a haver maior atenção do mercado ao tema, e algumas dúvidas sobre quando essas operações podem estar na conta de fornecedores, e não de dívida.
“Depois do caso Americanas, deveria haver mais transparência sobre o risco de endividamento. Mas na Minerva parece que está tudo correto, pois o valor já era registrado, só não era discriminado. Nem todo risco sacado é errado”, acrescentou.
Ticle admitiu hoje que o caso da varejista levou a um aumento de custos para todos que utilizam financiamento bancário. “O mercado de crédito entrou em uma situação mais complicada e os spreads aumentaram, mas não apenas na linha de risco sacado”, disse.
No caso da Minerva, o valor dos “convênios” é equivalente a cerca de 25% da dívida líquida, ou seja, se colocado como custo financeiro da empresa, elevaria a alavancagem em um cenário de juros altos.
A maior exportadora de carne bovina da América do Sul encerrou o quarto trimestre com a alavancagem em 2,15 vezes a relação dívida líquida sobre EBITDA, ante 2,4 vezes no mesmo período do ano anterior. A posição em caixa é de R$7,1 bilhões, o suficiente para atender ao cronograma de amortização da dívida até 2026.