Por: Luciano Costa e Gustavo Boldrini
Pouco mais de um mês depois que a varejista Americanas revelou “inconsistências contábeis” de R$20 bilhões em seu balanço financeiro, pedindo recuperação judicial na sequência, o mercado ainda tenta entender o que ocorreu e quais as consequências do "evento", que acabou por impactar os resultados dos principais bancos do Brasil nos balanços do quarto trimestre de 2022.
Além do efeito direto sobre os lucros de instituições financeiras e empresas credoras da Americanas e de perdas de investidores em títulos de dívida da companhia, há alguma preocupação nos bastidores com a possibilidade de a crise do grupo gerar reflexos maiores no segmento de crédito privado como um todo.
Embora bancos tenham minimizado preocupações em suas apresentações de resultados, quem busca acessar o mercado de dívida já tem sentido algum "estresse" e aumento de custo de captação, disseram ao Scoop duas fontes, uma de uma grande companhia de energia e outra de um banco privado.
"Chegar, o impacto já chegou. Mas o mercado pode ‘fechar’ ou ficar mais caro. Já temos visto ‘spreads’ um pouco maiores, quem está buscando captar está vendo taxas mais salgadas. Mas espero que em uns dois meses isso normalize", disse uma das fontes.
Para o diretor de gestão de investimentos da Nova Futura Investimentos, Pedro Paulo Silveira, o risco é que o setor de crédito como um todo acabe afetado de alguma maneira pela crise da Americanas e pelas incertezas sobre as inconsistências da companhia, atribuídas a operações conhecidas no varejo como “risco sacado”.
Problemas recentes de outras empresas, como a Oi, que avalia uma segunda recuperação judicial, e de Light, CVC Brasil e Marisa, que anunciaram renegociações com credores, também estão no radar, segundo Silveira.
"Bancos terão um comportamento mais conservador de crédito daqui para a frente", afirmou o gestor da Nova Futura, lembrando que muitas empresas estão endividadas desde a pandemia e hoje ainda enfrentam a conjuntura de juros elevados, o que acende alguma preocupação sobre riscos de a crise da Americanas "contaminar" o mercado de crédito.
Questionados sobre essa possibilidade, executivos do Banco do Brasil minimizaram preocupações durante coletiva de apresentação de resultados hoje. "Efeitos sobre o mercado de crédito privado em geral podem advir, mas acreditamos que seja algo temporário", disse o vice-presidente de Gestão Financeira do BB, Ricardo Forni.
Segundo ele, se necessário, o banco poderá absorver alguma demanda por emissões em um primeiro momento, visando atender clientes, e redistribuir os papéis posteriormente no mercado em momento mais favorável. "O importante é deixar claro que temos balanço para poder assistir nossos clientes caso necessário nessa travessia", afirmou.
O vice-presidente de Atacado do BB, Francisco Lassalvia, disse ver os problemas apontados por companhias e pela Americanas como "casos pontuais", que não devem pesar nas perspectivas para 2023.
O analista da CM Capital, Alex Carvalho, também disse ver o problema da Americanas como "um caso à parte". "Não creio que possa contaminar outras companhias", afirmou.
FRAUDE?
Grandes bancos privados incluindo Itaú, Bradesco e BTG Pactual se referiram à crise da Americanas durante suas apresentações de resultados como "um evento no varejo", sem citar diretamente o nome da companhia, mas deixando claro que entendem que houve "fraude" no caso, embora também tenham minimizado preocupações.
"Fomos vítimas, afetados por uma fraude corporativa", disse o presidente do BTG, Roberto Saloutti, em teleconferência. O diretor-presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, também usou a palavra "fraude" para falar do evento, assim como o CEO do Bradesco, Octavio de Lazari, em coletiva de imprensa. "É uma fraude, e portanto deve ser tratada como um risco pontual", disse Lazari.
Forni, do Banco do Brasil, por outro lado, disse não querer fazer juízo de valor sobre o episódio. "Tem uma inconsistência contábil que precisa ser apurada e o mercado está aguardando explicação. Do nosso ponto de vista, temos um crédito a recuperar e estamos participando das negociações, tomando as medidas jurídicas necessárias".