Por Bruno Andrade
A Reforma Tributária volta para os holofotes após a aprovação na Câmara dos Deputados. Porém, poucos sabem que o projeto é apenas um esqueleto. Praticamente todas as polêmicas serão definidas em lei complementar.
Uma delas é como ficam as alíquotas finais de tributos em cada setor da economia.
Em entrevista ao Faria Lima Journal (FLJ), o presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Roberto Ordine, disse que “o comércio sai como perdedor na Reforma Tributária”.
“Nós saímos perdendo, porque a alíquota que será cobrada do comércio em São Paulo será de cerca de 28%. Atualmente, nós pagamos 18%. Ou seja, para o comércio vai ter um aumento brutal da carga tributária”, disse Ordine.
Segundo um estudo do próprio Ministério da Fazenda, a alíquota-padrão a ser cobrada após a entrada em vigor da reforma tributária seria de 27%, caso sejam mantidos todos os tratamentos favorecidos aprovados pela Câmara dos Deputados.
A proposta aprovada na Câmara deu uma alíquota diferenciada para os serviços de hotelaria, combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, operações com bens imóveis, parques de diversão, restaurantes, bares e aviação regional. Os demais segmentos da economia devem pagar a alíquota geral, como é o caso do comércio.
Sendo assim, Ordine acredita que, com a nova alíquota em prática, o comércio deve sofrer e, consequentemente, repassar o valor para a população, que deve pagar mais caro pelo produto final. “O custo de vida deve subir se a proposta da Reforma Tributária for colocada em prática”, disse Ordine.
O presidente da Associação Comercial de São Paulo afirmou ainda que existem setores que podem ser beneficiados, como bancos e a indústria, pois a alíquota resultante desses dois setores seria menor que a atual.
No entanto, as falas de Ordine foram rebatidas pelos setores que ele mesmo citou. Em nota enviada ao Faria Lima Journal (FLJ), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) comentou que as companhias do setor não terão nenhum benefício tributário. A entidade afirma que os bancos e seus serviços serão tributados pelo IVA e o regime específico não significa que terão qualquer condição especial.
“Na tributação sobre o spread bancário, a Câmara dos Deputados aprovou dispositivo que evita o aumento neste custo específico do crédito, como proteção aos tomadores de recursos, não se tratando de um benefício direto às instituições financeiras. Esse dispositivo é a garantia ao tomador do crédito de que, no futuro, não ocorram aumentos no custo tributário incidente sobre as operações de crédito”, disse a Febraban ao FLJ.
Por fim, a Febraban disse - em defesa do seu setor - que o Brasil é um dos poucos países do mundo que tributam o crédito, o que penaliza aquele que mais precisa dele, seja para consumo pessoal e da sua família, seja para investir no seu empreendimento.
“A Reforma Tributária é a oportunidade de garantir que os encargos sobre o crédito sejam limitados. O texto do relator Deputado Aguinaldo Ribeiro, com concordância da Câmara dos Deputados, compreendeu a relevância dessa questão”, conclui a Febraban.
As falas de Ordine também provocaram ruídos na indústria. Em entrevista ao Faria Lima Journal (FLJ), o economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Igor Rocha, disse que a indústria não está tendo nenhum privilégio.
De acordo com o entrevistado, a alíquota da indústria nos moldes tributários atuais está acima dos 30%, o que na visão dele é injusto, visto que outros segmentos pagam uma alíquota de 18%. “O que se defende é uma alíquota isonômica para todos os setores. Assim, quem paga mais vai deixar de pagar a meia entrada de quem paga menos”, afirmou Rocha.
O economista vê problemas nas exceções que foram colocadas na projeto aprovado pela casa liderada por Arthur Lira (PP-AL). “O ideal é reduzir essas exceções, assim a alíquota pode ficar menor para todos”, detalhou Rocha.
De acordo com o estudo do Ministério da Fazenda, citado no início da reportagem, ainda há a possibilidade da reforma apresentar uma alíquota de 22,02%. Para isso, os únicos setores com tratamento diferenciado teriam que ser as empresas do Simples Nacional, a Zona Franca de Manaus, além de regimes específicos de caráter técnico, como serviços de educação, planos de saúde e compras governamentais.
A Fiesp é mais conservadora. Para Igor Rocha, se todos pagarem a mesma alíquota sem nenhum privilégio, é provável que a taxa final seja de 25%. “Para chegarmos nesse número precisamos tirar as exceções que não são tão relevantes. É claro que eu defendo a existência de exceções, mas elas devem se basear em um critério técnico”, explicou Rocha
De modo geral, a Fiesp vê a reforma com bons olhos e acredita que ela deve melhorar a vida dos brasileiros no longo prazo. “O imposto sobre o bem industrializado tem potencial de diminuir, o que pode gerar um impacto positivo para o consumidor final”, disse Rocha.
Em meio a esse impasse entre os setores, o Faria Lima Journal (FLJ) conversou com economistas independentes para saber se o texto aprovado acaba sendo justo com todos os segmentos.
Segundo Mariana Costa, economista-chefe do TC, a Reforma Tributária está apenas alocando de forma uniforme os impostos que já são cobrados entre os setores. Segundo ela, cerca de 60% do PIB é do setor de serviços e somente cerca de 15% é da indústria.
“Eu até entendo essa crítica mais dura do comércio, o que ele está fazendo é apenas defender o seu setor. Ainda assim, o grande motor do crescimento econômico do Brasil é serviços, e, atualmente, esse é o segmento que tem uma alíquota menor. Então a proposta da reforma está correta em fazer esse ajuste de diminuir a alíquota da indústria e elevar a alíquota do comércio”, disse Costa.
A tese da economista do TC é endossada pelo economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. Segundo ele, todos os segmentos vão ganhar com a simplificação de tributos. Sendo assim, a melhor saída para o comércio não seria entrar na disputa para manter sua alíquota atual, mas sim para diminuir o número de exceções.
“O que não dá para fazer justamente é ter essa esse tanto de exceções sendo colocadas. Isso faz com que os setores que estão na alíquota geral fiquem descontentes, dependendo do setor, ele vai pagar mais imposto do que se pagava antes”, explicou Sérgio Vale.
O economista, no entanto, não negou que o setor de comércio e serviços deve ter uma das maiores cargas tributárias do mundo após a Reforma Tributária. Todavia, segundo Vale, isso não é culpa da Reforma Tributária e sim da estrutura tributária brasileira.
Essa disputa ainda está só no começo. Atualmente, a Reforma Tributária está em discussão no Senado e tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relatório deve ser apresentado por Eduardo Braga (MDB-AM) no dia 27 de setembro e votado na comissão em 4 de outubro.
Após a passagem pelas comissões, o projeto deve ir ao plenário do Senado. Se houver modificação, ele volta para a Câmara.