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Publicado em
23/1/23 13:44

Maioria das fraudes contábeis jamais será descoberta, diz especialista

Pesquisa feita a partir de dados da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos estima que apenas 1,43% dos casos de fraudes contábeis são detectados
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Por: Patrícia Vilas Boas

São Paulo, 23/1/2023 - A maior parte das fraudes nas demonstrações financeiras provavelmente jamais será descoberta -  e elas acontecem justamente porque os envolvidos sabem disso -, é o que diz o pesquisador e professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Artur Filipe Ewald Wuerges, em entrevista ao FLJ.

Autor do estudo “Detecção de fraudes contábeis: é possível quantificar os casos não-descobertos?”, Wuerges se baseia nos registros da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a Securities and Exchange Commission (SEC), para estimar a porcentagem de casos de fraude não detectadas em empresas norte-americanas.

A partir da análise de uma amostra de 118 empresas acusadas de fraude nos EUA, e do uso de um modelo de escolha binária chamado “Logit”, que transforma probabilidades em chances, estimou-se que apenas 1,43% dos casos de fraudes contábeis foram divulgados pela SEC.

"Eu não me surpreenderia se a situação aqui no Brasil fosse semelhante. A maior parte das fraudes contábeis provavelmente jamais vai ser descoberta. E elas acontecem justamente porque os envolvidos sabem disso”, diz o especialista.

Segundo o professor, a ideia inicial era usar dados de empresas nacionais por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas Wuerges encontrou pouca informação doméstica disponível em comparação com os dados norte-americanos.

Além disso, de acordo com o estudo, empresas que receberam um parecer de auditoria qualificado - isto é, com indicações de que possivelmente há um problema nas contas da empresa - ou que mudaram de auditor estão mais propensas à fraude. 

“A probabilidade de fraude nas demonstrações financeiras é 5,12 vezes maior quando o auditor da empresa emite um parecer adverso ou com ressalvas”, diz a pesquisa.

O escândalo da Americanas envolvendo “inconsistências contábeis” no balanço da empresa trouxe à tona a fragilidade do mercado financeiro e a exposição em que os acionistas se encontram. Segundo reportagens, acionistas minoritários também vão entrar na justiça contra a PwC, empresa responsável pela auditoria da varejista, devido ao rombo bilionário. 

A PwC auditou sem ressalvas as mesmas demonstrações financeiras da Americanas nas quais o ex-presidente-executivo Sergio Rial encontrou um desfalque de R$ 20 bilhões apenas nove dias após assumir o cargo. 

Em entrevista por escrito ao FLJ, o pesquisador explica que uma das dificuldades de se detectar fraudes, inclusive, é conseguir diferenciar um erro contábil - que não configura crime - de uma manipulação proposital dos resultados. Confira a seguir na íntegra:

FLJ: Você acredita que a porcentagem de 1,43% de fraudes detectadas no SEF pode ser aplicada à realidade brasileira?

Artur Filipe Ewald Wuerges: A minha intenção, originalmente, era fazer uma pesquisa com empresas brasileiras. Mas, pela falta de dados disponíveis, acabei fazendo a pesquisa com empresas dos Estados Unidos. Uma das grandes dificuldades de estudar fraudes contábeis é justamente a falta de transparência. Isso é natural, pois é claro que as fraudes acontecem nas sombras. Foi mais fácil encontrar dados nos Estados Unidos, até mesmo porque lá existem muito mais empresas negociadas em bolsas de valores do que aqui no Brasil. Eu queria deixar claro que o número que encontrei na pesquisa (apenas 1,43% das fraudes são descobertas) é uma estimativa. O verdadeiro percentual pode ser um pouco maior ou menor. Respondendo à sua pergunta: eu não me surpreenderia se a situação aqui no Brasil fosse semelhante. A maior parte das fraudes contábeis provavelmente jamais vai ser descoberta. E elas acontecem justamente porque os envolvidos sabem disso. 

FLJ: Em sua opinião, os órgãos regulatórios e o Judiciário e o Ministério Público fecharam os olhos para os crimes do setor privado enquanto estavam obcecados com os escândalos políticos?

Artur Filipe Ewald Wuerges: Não tenho como afirmar que alguém fechou os olhos. Não é fácil comprovar uma fraude contábil. Quando um suspeito é flagrado com o bagageiro cheio de drogas, geralmente não é difícil enquadrá-lo no crime de tráfico de drogas. No caso das fraudes contábeis, é muito mais complicado. Em primeiro lugar, é preciso descartar a possibilidade de erro. A fraude contábil só existe quando há intenção de manipular os resultados. O erro contábil, por outro lado, não é crime. Nem sempre é possível diferenciar o erro da fraude. Em segundo lugar, é preciso identificar quem são as pessoas responsáveis pela fraude. Afinal, empresas não podem responder penalmente por fraudes contábeis! Apenas os gestores podem ser processados criminalmente, e é preciso provar a participação de cada pessoa. Cada um responde pelo que fez. Então, como podemos perceber, combater fraudes contábeis não é uma tarefa simples. Isso não significa que a justiça está fechando os olhos.  

FLJ: Qual é a diferença, por exemplo, entre um contribuinte que perdeu dinheiro com a queda das ações da Petrobras decorrentes do roubo e o acionista minoritário que perdeu a mesma quantia por causa de fraude interna?

Artur Filipe Ewald Wuerges: Os dois casos são muito parecidos, realmente. O que temos aqui é um conflito de interesses entre os gestores e os acionistas. Nas grandes empresas, é muito comum que os donos (acionistas) não participem do dia-a-dia. Para administrar a empresa, eles contratam executivos profissionais. A grande dificuldade é conseguir alinhar os interesses desses dois lados, executivos e donos. Nem sempre o executivo vai fazer o que é melhor para os donos da empresa, pois a empresa não é dele. Existem maneiras de minimizar esse problema. Por exemplo, oferecer aos executivos uma participação nos lucros da empresa. Mas, no fim das contas, é impossível eliminar completamente esse conflito. Então surgem problemas. Existem casos em que os fornecedores pagam propina para terem prioridade na hora de vender para a empresa. Ou então os executivos podem usar fraudes contábeis para enganar os donos da empresa e dar a impressão de que a empresa está indo bem, quando na verdade não está. No fundo, todos esses casos acontecem porque as partes envolvidas têm interesses diferentes. Por isso, as fraudes contábeis são realmente bastante semelhantes a alguns casos de corrupção! As causas são as mesmas.  

FLJ: Como um crime pode ter passado sem ser notado tendo uma auditora e um compliance?

Artur Filipe Ewald Wuerges: A governança corporativa e o compliance são muito importantes para evitar fraudes contábeis. A auditoria também tem um papel muito importante. Mas nada é infalível! Podemos fazer um paralelo com outros crimes mais comuns, como assaltos e roubos. Uma política de segurança pública eficaz pode diminuir a criminalidade, mas dificilmente vai acabar completamente com o crime. No caso das empresas, é parecido. Uma governança corporativa robusta e demonstrações financeiras auditadas dão segurança para os investidores. Nos últimos anos, o Brasil avançou muito nesse sentido. Hoje o investidor olha com cuidado para a empresa, e prefere investir em empresas que respeitam seus acionistas minoritários. Aliás, algo muito importante é incentivar e proteger os delatores, aqueles que estão dispostos a denunciar as irregularidades nas empresas. Muitas vezes, só é possível descobrir uma fraude quando alguém resolve denunciar.

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