Por Luciano Costa
Aprendizados decorrentes de investigações sobre um blecaute que atingiu praticamente todo o Brasil há duas semanas devem levar na prática a mudanças na operação do sistema elétrico, o que poderá exigir mais investimentos em linhas de transmissão e maior uso de termelétricas, disseram à Mover fontes especialistas no setor.
O apagão, em 15 de agosto, teve início com o desligamento de instalações de transmissão da Chesf, da Eletrobras (ELET3), mas a companhia e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que coordena as redes elétricas, disseram que esse acontecimento por si só não seria suficiente para levar à queda de quase 30% da carga do país registrada naquele dia.
Desde o incidente, o ONS passou a adotar uma postura mais cautelosa, que inclusive levou ao acionamento de mais usinas termelétricas na última semana, para garantir o abastecimento em momentos de pico, o que não era esperado. Ainda de acordo com as fontes, a manutenção de uma operação nesses moldes poderá eventualmente favorecer empresas com usinas térmicas, como a Eneva (ENEV3).
Na última semana, por exemplo, uma usina da Eneva foi acionada inesperadamente para atender à maior demanda impulsionada pelo clima quente. "Às vezes fecha uma porta e abre uma janela", disse uma das fontes, sobre as oportunidades para geradores termelétricos.
"Esse blecaute vai trazer uma revolução no sistema", disse à Mover uma segunda fonte, que acompanha os trabalhos de elaboração do chamado Relatório de Acompanhamento de Perturbação, a cargo do ONS.
Entre as possíveis consequências, estão investimentos maiores em novas linhas de transmissão e na renovação de equipamentos antigos que ainda estão em operação no sistema, o que pode em tese gerar potenciais negócios para empresas como Eletrobras e Cteep (TRPL4). Procurado, o ONS não respondeu a pedidos de comentário.
As suspeitas, por enquanto, são de que a grande expansão da geração eólica e solar tornou o sistema elétrico mais complexo, o que deixou a rede mais frágil e suscetível a problemas maiores no caso de falhas de equipamentos como sistemas de proteção, disseram as fontes que acompanham as investigações.
"Esse relatório sobre o blecaute será talvez um dos mais complicados da história desses incidentes no Brasil", disse uma das fontes. "Técnicos do ONS estão trabalhando 24 horas, sete dias por semana, em rodízio de pessoal, analisando mais de três mil oscilogramas de todas as usinas, todas as subestações, todas as linhas, para chegar às conclusões sobre o que houve".
Depois de prontas as análises, o ONS e autoridades deverão se debruçar sobre eventuais medidas para evitar novas ocorrências. "Para contornar isso, teria que reforçar o sistema de transmissão, ter maior redundância no sistema. Provavelmente o relatório vai mostrar isso, porque não era para uma falha em uma linha simples ter desencadeado um problema daquela natureza", explicou uma das fontes.
Por enquanto, as apurações não mostram indícios de que o blecaute esteja associado a algum tipo de sabotagem ou atuação dolosa de alguma pessoa ou empresa, disse uma das fontes. Sindicatos de trabalhadores da Eletrobras têm tentado associar o apagão à redução de investimentos depois da privatização, o que a companhia nega, dizendo que a linha de transmissão associada ao incidente estava com a manutenção em dia.
"Dificilmente você vai achar um culpado. Você vai achar vários culpados. É como um acidente de avião, que não acontece por uma única razão. Ele começa com uma razão e depois vão acontecendo outros subproblemas. Tudo indica que tivemos um blecaute em cima de blecaute", explicou uma das fontes.
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