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Política
Publicado em
19/9/23 11:46

Lula critica sanções comerciais e rechaça possível nova Guerra Fria

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Agência Brasil
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Por Bruno Andrade

"As sanções unilaterais causam prejuízos à população dos países afetados. Além de não alcançarem seus objetivos, dificultam a solução pacífica dos conflitos", disse o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso na Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira (19).

O presidente também comentou que é contra "a toda tentativa de dividir o mundo em zona de influência e de reeditar a Guerra Fria". As falas acontecem em meio a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Os dois países entraram no conflito na tentativa de Moscou impedir que Kiev saia de sua área de influência e passe a fazer parte da área de influência do ocidente. O presidente rechaçou a forma como os dois lados vem conduzindo a guerra.

"A guerra na Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para encontrar a paz, mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo", disse Lula.

Amanhã (20), o presidente vai se reunir com o líder da Ucrânia, Volodimir Zelensky. O encontro foi confirmado pelo Palácio do Planalto e deverá ocorrer na parte da tarde, mas o horário exato ainda não foi informado.

Na última tentativa de encontro, o presidente brasileiro não se encontrou com Zelensky por uma incompatibilidade de agendas. No bastidor, o que reverberou foi que o Brasil fez "pouco caso" para fazer o encontro acontecer.

Discurso de Lula é pautado nas desigualdades

O centro da fala do presidente foi a desigualdade no mundo e a incapacidade das organizações internacionais de ajudar na solução do problema, incluindo a imobilidade das Nações Unidas.

"A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas. O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar", disse.

"Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade. A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los", ressaltou.

Lula lembrou que, a menos de sete anos de cumprir seu prazo, a agenda 2030 da ONU -- os chamados objetivos do milênio, que pretendiam melhorar as condições de vida no mundo -- está praticamente sem avanços.

"A mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da ONU voltada para o desenvolvimento – a Agenda 2030 – pode se transformar no seu maior fracasso", destacou. "O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado.

Organizações de governança mundial em que todos os países tinham voz, afirmou, perderam espaço, enquanto instituições como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial beneficiam países desenvolvidos e "o protecionismo dos países ricos ganhou força".

A desigualdade econômica e política hoje assolam as democracias, afirmou Lula, o que levou a uma "massa de deserdados e excluídos".

"Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema-direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. Muitos sucumbiram à tentação de substituir um neoliberalismo falido por um nacionalismo primitivo, conservador e autoritário", disse.

Lula cobrou uma ação mais efetiva das Nações Unidas, que resgate o que chamou de "melhores tradições humanistas" que inspiraram sua criação.

"A comunidade internacional precisa escolher: de um lado, está a ampliação dos conflitos, o aprofundamento das desigualdades e a erosão do Estado de Direito. De outro, a renovação das instituições multilaterais dedicadas à promoção da paz", afirmou.

O próprio presidente lembrou que, ao fazer seu primeiro discurso, em 2003, levou o tema da fome e da desigualdade à ONU, e voltou a fazê-lo agora. Disse que a desigualdade precisa "inspirar indignação" e que a "ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno."

Lula comentou ainda sobre a ampliação do Brics. Segundo o presidente, a ampliação do bloco é um contraponto ao próprio FMI, que no último ano disponibilizou o equivalente a 160 bilhões de dólares a países europeus e apenas 34 bilhões de dólares a países africanos.

"Quando as instituições reproduzem as desigualdades, elas fazem parte do problema, e não da solução", disse Lula.

O presidente, que chamou de "inaceitável" a representação dos países no FMI e Banco Mundial, também ressaltou que as bases de uma nova governança econômica ainda não foram lançadas e que o Brics surgiu na esteira dessa imobilismo.

"A ampliação recente do grupo na Cúpula de Johanesburgo fortalece a luta por uma ordem que acomode a pluralidade econômica, geográfica e política do século 21", acrescentou Lula.

Em sua mais recente cúpula, realizada em agosto na África do Sul, os líderes do Brics convidaram Arábia Saudita, Irã, Etiópia, Egito, Argentina e Emirados Árabes Unidos para aderirem ao grupo.

Os líderes do grupo, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, ainda deixaram a porta aberta a uma futura expansão adicional, abrindo potencialmente o caminho para a adesão de dezenas de outros países ao bloco, que tem como ambição declarada se tornar uma referência no "Sul Global".

Lula critica conselho de segurança da ONU

Outro foco das críticas do presidente à governança global foi o Conselho de Segurança da ONU. Ao criticar os conflitos, além de falar da Guerra na Ucrânia, Lula ainda citou o conflito no Iêmen, e as crises na Palestina, Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão, no Haiti e na Líbia, além do risco de golpe na Guatemala.

"Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações", disse. "Os conflitos armados são uma afronta à racionalidade humana."

A maior crítica foi dirigida justamente ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, sobre o qual o Brasil cobra há pelo menos três décadas uma reforma no modelo que deu a Estados Unidos, Reino Unido, França, China e Rússia -- os vencedores da 2ª Guerra Mundial -- assentos permanentes e poder de veto.

Nos últimos 20 anos, os principais conflitos mundiais passaram por ações unilaterais desses mesmos membros permanentes, como as invasões do Iraque pelos Estados Unidos e da Ucrânia, pela Rússia.  

"O Conselho de Segurança da ONU vem perdendo progressivamente sua credibilidade. Essa fragilidade decorre em particular da ação de seus membros permanentes, que travam guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime. Sua paralisia é a prova mais eloquente da necessidade e urgência de reformá-lo, conferindo-lhe maior representatividade e eficácia", defendeu Lula.

Apesar da reforma ser em tese aceita por alguns dos membros permanentes, nunca houve movimentos efetivos para alterações, com o poder de veto das cinco potências bloqueando ações mais concretas.

Este foi o 8º discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral. Quando presidente, compareceu em sete de oito anos de seus dois mandatos. Ao abrir sua fala, lembrou do primeiro discurso, em 2003.

"Há vinte anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez. E disse, naquele 23 de setembro de 2003: 'Que minhas primeiras palavras diante deste Parlamento Mundial sejam de confiança na capacidade humana de vencer desafios e evoluir para formas superiores de convivência'. Volto hoje para dizer que mantenho minha inabalável confiança na humanidade."

(Com Reuters)

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