Por Patrícia Vilas Boas
Durante décadas a China sofreu com o descompasso entre seu alto poderio econômico e sua insignificância no tabuleiro da política internacional. Em outras palavras, entre seu grande hard power (poderio militar) e seu quase inexistente soft power (convencimento pela política externa, pela cultura e por valores políticos).
Agora, a China do século XXI quer aparecer como uma nova força no cenário internacional: apaziguadora de conflitos e adepta do diálogo. Isso se refletiu, por exemplo, nas negociações de paz de Xi Jinping com o Irã e a Arábia Saudita. Na última sexta-feira, diante de negociações na China, Irã e Arábia Saudita concordaram em reatar laços diplomáticos após sete anos de conflitos.
Em nota conjunta, os ministérios das Relações Exteriores de ambos os países disseram que vão implementar a decisão de reatar relações e tomar as providências para reabrir embaixadas e missões nos próximos dois meses.
De acordo com o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Bruno Hendler, a China tem se colocado gradualmente como um "mediador" de grandes conflitos, a fim de exercer mais influência no cenário global, em contraposição aos Estados Unidos.
Mas o grande teste virá nos próximos dias, quando a China tentará, conforme anunciado com pompa e circunstância, selar a paz entre a Rússia e a Ucrânia. Segundo informações da agência de notícias Reuters e do Wall Street Journal (WSJ), o presidente chinês planeja viajar à Rússia a convite do presidente russo, Vladimir Putin. Xi Jinping também pretende realizar uma videoconferência com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenski, a primeira desde o início da invasão.
A China reconhece a Ucrânia como uma nação soberana, embora tenha evitado condenar formalmente a invasão russa. Essa posição torna a nação chinesa ainda mais propícia para promover a paz neste conflito. Isso porque, com os EUA e a União Europeia unidos contra a Rússia, não sobra um único país no mundo suficientemente relevante para "impor" a paz.
A expectativa é a de que o líder chinês busque em suas conversas apaziguar os ânimos entre ambos os países europeus, em guerra desde 24 de fevereiro do ano passado. A Rússia chama a investida na Ucrânia de “operação militar especial”.
Para Rubens Barbosa, diplomata e ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, a China tem estado muito ativa e tem interesse em aparecer como uma nova força no cenário internacional - embora, segundo ele, os chineses, secretamente, sejam favoráveis à Rússia. “A China não tem interesse em uma escalada militar na Ucrânia, mas está apoiando retoricamente a Rússia até aqui”, disse.
A China quer uma “solução política” para o conflito e tem dados sinais implícitos de razão à Ucrânia, de acordo com Hedler, o especialista em Relações Internacionais. Recentemente, o Ministério do Exterior da China divulgou um plano de paz de 12 pontos, cujo primeiro ponto é: respeito à soberania de todos os países.
Hedler, ao contrário de Barbosa, acha que o posicionamento da China é uma crítica à Rússia. “Isso é, claramente, um princípio basilar da política externa da China e é uma crítica direta à Rússia, porque a China, ao colocar esse como primeiro ponto, deixa claro que a soberania da Ucrânia foi violada”, disse.
Ele também comenta que a China condenou o uso de armas nucleares na guerra, poucos dias após Putin sugerir que poderia usá-las no conflito na Ucrânia. “As armas nucleares não devem ser usadas e as guerras nucleares nunca devem ser travadas. A ameaça ou uso de armas nucleares deve ser combatida”, diz o documento.
Perguntados se a Ucrânia pode buscar estabelecer relações mais próximas com a China como forma de se contrapor à Rússia, os especialistas negam a possibilidade. “Enquanto o presidente for o Zelensky, que ficou muito alinhado ao ocidente, acho difícil”, disse Hendler.