Por Felipe Corleta
O risco de uma crise financeira sistêmica global disparado pela quebra do banco Silicon Valley Bank nos Estados Unidos na semana passada tem um caráter recessivo e deflacionário, e urge que os bancos centrais se voltem ao seu mandato de estabilidade financeira em detrimento do combate à inflação, passando a adotar uma política monetária mais frouxa.
O clamor por um resgate dos bancos centrais é amplo nos mercados: investidores têm buscado nos últimos dias um refúgio em títulos públicos de curto prazo de países desenvolvidos, no ouro e em moedas defensivas.
Desde segunda-feira, os juros para dois anos dos títulos prefixados do Tesouro americano já perderam 75 pontos-base, a maior queda semanal desde 2001. Nos títulos alemães, o tombo semanal é o maior desde 1992. Já o ouro, ativo de proteção em períodos turbulentos, acumulou a maior alta semanal desde novembro, e opera perto das máximas em um ano.
Desde o início deste mês, apenas as moedas altamente defensivas como o franco suíço e o iene japonês valorizaram de forma relevante em relação ao dólar.
O Banco Central Europeu convive com a situação mais delicada. A inflação na Zona do Euro atingiu 8,50% em fevereiro. No velho continente, diferentemente dos EUA, os riscos ao sistema financeiro pressionam grandes bancos, e não apenas as instituições financeiras regionais de menor porte.
Amanhã, a presidente do BCE, Christine Lagarde, precisará mostrar complacência com a maior onda inflacionária desde a criação do Euro, em 1999. Caso contrário, há o risco de que alguns dos maiores bancos do continente sofram com um colapso financeiro, o que desvalorizaria a moeda única do bloco e ampliaria a crise inflacionária, que, desta vez, estaria associada a um ambiente de instabilidade financeira.
O consenso, hoje, aponta para um choque de meio ponto percentual nos juros do BCE, mas o melhor mesmo seria pausar o ciclo.
Na semana que vem, será a vez do Federal Reserve mostrar que é hora de suspender o mais longo ciclo de aperto de juros dos últimos 40 anos. Desde a quebra do SVB e do Signature Bank, as reservas de liquidez imediata do Tesouro americano – já comprometidas pela crise fiscal do Teto de Dívida – tiveram a maior queda para três dias em mais de 18 meses, o que indica que a secretária do Tesouro, Janet Yellen, e sua turma estão injetando liquidez no sistema financeiro para atender à necessidade dos bancos.
Ora, se o Tesouro Nacional americano está afrouxando as condições financeiras, de que adianta o Fed seguir apertando a política monetária? Seria um caso de políticas fiscal e monetária andando em direções opostas – algo semelhante a acelerar um automóvel com o freio de mão puxado.
Para o banco central americano, a expectativa está entre uma pausa no ciclo de juros e um novo choque de 0,25 ponto percentual. Há, ainda, expectativas sobre o processo de redução de balanço patrimonial do Fed, que pode ser interrompido na próxima quarta-feira.
Qual seria a solução para o problema? Conviver com uma inflação mais alta por algum tempo. De fato, talvez isso sequer seja necessário. Embora mais lentamente do que o esperado por alguns agentes do mercado, a inflação americana segue em trajetória de queda. Uma crise financeira, ou mesmo o princípio de uma, já dispara a aversão ao crédito e ao investimento, o que acelera o processo de desinflação.
A mensagem para Christine Lagarde, do BCE, Jerome Powell, do Fed, Roberto Campos Neto, do Banco Central do Brasil, e Andrew Bailey, do Banco da Inglaterra, é clara: é hora de aceitar a inflação, que dói menos. Pode até ser que ela ajude, na margem, com o ajuste fiscal necessário.
Do contrário, é possível que a crise que começou sanitária e passou a ser inflacionária se torne, também, uma grande crise financeira.
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*Esta reportagem foi publicada primeiro no Scoop, às 11h57, exclusivamente aos assinantes do TC. Para receber conteúdos como esse em primeira mão, assine um dos planos do TC