Por Odoardo Carsughi
Recentemente reli uma matéria interessante sobre executivos que decidiram largar suas bem sucedidas carreiras e, mesmo estando em posições de destaque (C-Level e etc), resolveram “pendurar a chuteira” antes dos 50.
O texto me fez refletir bastante e gostaria de compartilhar com vocês alguns insights.
Em primeiro lugar, o ambiente corporativo está cada vez mais “abrasivo”, como diz a matéria. Até aí nada novo. Mas vamos pensar o porquê disto. A competição no mundo dos negócios é dura e todo mundo precisa “go the extra mile”, como aprendi desde cedo nas empresas que trabalhei. Trabalhar “long hours”, levar pendências para casa e estar conectado 24x7. Sempre se preocupando com a empregabilidade e entregando as metas (ou mais que elas) é a tônica. Aí ouço todo mundo falar: seguindo esta receita, vamos chegar lá!
Acredito que a minha história pessoal possa ajudar você a entender o que é esse “onde”.
Disclaimer: o “onde” varia de pessoa para pessoa, mas a gente dificilmente sabe o endereço antes de tomar alguns tombos na vida e de vários cabelos brancos na cabeça. Ou de perder alguns deles. Ou ambos, tanto faz.
O meu “onde” foi o consultório do psiquiatra. Gente boa, inteligente, sarcástico e duro. Não gosta de mimimi. Só assim para funcionar comigo. Segundo ele, tive sorte, pois alguns pulam a etapa do psiquiatra e chegam direto ao cardiologista ou ao oncologista, de carro ou em casos mais extremos na ambulância que os leva ao PA de um hospital.
A minha história é bem comum: ambicioso, bem formado, inteligente e executivo padrão. Dediquei-me a vida inteira a mostrar (inconscientemente) a todos que era uma pessoa de sucesso: filho, profissional e marido exemplares. Tive uma boa fase invejável de carreira. Fui C-Level em empresas grandes e bacanas, tive poder e influência cedo nos lugares por onde passei. Mas as coisas começaram a desandar no meio do caminho. Muito foco no profissional e pouco no pessoal, entre outras coisas, resultaram em frustração pessoal e obvio no casamento sendo impactado. As demais esferas da vida começaram a balançar e aí bateu o desespero.
Tudo isto me fez repensar muita coisa, principalmente sobre o meu “onde” e também sobre o “como”.
Esta é apenas uma das muitas histórias que todos nós conhecemos. Conheço muita gente assim, ainda mais depois que comecei a fazer “counseling” ao pessoal mais jovem, na casa dos 30-40 anos.
Para descobrir isso fui estudar. Uma das minhas paixões é estudar o relacionamento que o Homem moderno possui com o trabalho. Já li de tudo. Desde Domenico de Masi até um pessoal menos ortodoxo (ou heterodoxo, depende de como analisarmos). Fato concreto é que desde a Antiguidade, tinha um pessoal que vendia a ideia que trabalho é uma coisa pouco nobre e que o bacana era ficar pensando na essência da vida humana e nas suas complexidades. Esses gregos eram muito inteligentes mesmo. Por outro lado, quem tinha que trabalhar ficava bravo e a tensão social na relação Capital x Trabalho ganhava cada vez mais força. Desde aquela época a “senzala social” fervia, mas tinha seus ânimos aplacados de modo não muito politicamente correto para os dias de hoje.
Atualmente vejo muita gente reclamando da Europa mediterrânea e dizendo que os Alemães não tem que carregar todo mundo nas costas. Tipo remake de Formiga & Cigarra ou dos Três Porquinhos. Parênteses: adoro estas fábulas.
A dos Três Porquinhos é excelente mas meio mal formulada. A pergunta que sempre me ficou na cabeça é por que queriam que eu acreditasse que o mais esperto era o que fez a casa de tijolo e não brincava.
Para mim, o mais esperto era o que só brincava e depois foi se refugiar na casa do que era trabalhador. Não morria e se safava no fim! Hoje entendo que ele dependia de alguém, e que se esse alguém não fosse bacana para abrigá-lo, ele teria virado almoço de lobo mau. Mas independentemente desta avaliação super pouco imparcial que fiz, não tenho a menor dúvida que as fábulas fazem uma manipulação mental espetacular, rivalizando com o papel da religião.
Como geralmente parte dos envolvidos é uma criança, tudo fica mais politicamente correto e bonito. Mas voltando às críticas ao pessoal do Mediterrâneo, lanço aqui uma pergunta. O que é mais legal: refletir sobre a vida em um café, às margens do Sena ou do Arno ou trabalhar duro, mesmo que sejam poucas horas como bem fazem os alemães?
O fato concreto é que o ser humano gosta de curtir a vida, mas fica sempre com uma danada duma culpa porque o trabalho hoje é uma ferramenta de inserção social que separa os vencedores dos “losers”.
Conheço muita gente que tem uma boa grana e não precisaria “freak out” quando perde o emprego, mas que com o simples fato de ver os vizinhos ou a esposa saindo para trabalhar e ele de pijama, fica perdido e se abala emocionalmente. Este modelo de vencedor está impresso de modo indelével em nossas mentes e não percebemos o quanto isso nos impacta. Precisamos consumir para fazer a roda girar. Bullmarket né? E para consumir tem que ganhar dinheiro, provavelmente através do trabalho. Então este é o nome do jogo. Quem não consome não é útil para o sistema. Por consequencia, quem não trabalha também não é útil. As simple as that.
Então já que é difícil se desligar do trabalho, dá para melhor um pouco as coisas?
Vamos voltar à questão da abrasividade do ambiente corporativo. Não quero me debruçar sobre o que está acontecendo, mas sim pensar o que podemos, como indivíduos, fazer de diferente para mudar o jogo. Precisamos de um “New Deal”.
As coisas como estão são uma tragédia anunciada. Cada vez mais pessoas desmotivadas que precisam pagar as contas no fim do mês e um turnover alto muitas vezes contido por uma ou outra crise da Economia. Todos nós somos, em tese, ferrenhos defensores de uma vida corporativa onde a “joy de vivre” tenha espaço.
Mas quem de nós deixa de comprar as roupas na Zara ou na Forever 21, mesmo sabendo que a vida do pessoal que confecciona tais roupas não é das mais bacanas? Quem de nós já deixou de comprar uma Barbie de 5 dólares para a filha porque provavelmente lembrou que foram feitas em fábricas com modelos de administração que fariam até Taylor e Fayol morrerem de vergonha? Quem de nós deixou de aceitar uma proposta de outro banco para obter um rendimento melhorzinho para suas poucas economias porque parou 5 minutos e pensou que a melhor taxa é fruto de maior produtividade? E que esta maior produtividade não veio necessariamente de mais tecnologia aplicada, mas sim de um pouquinho de assédio moral?
Muita gente acha bacana o “Low price, everyday” do Wal-Mart. É fato que com preços mais baixos, todos podem comprar mais e aí a roda gira, mas alguém pensa no pessoal que lá trabalha e que ganha bem mal? Eu mesmo não penso e adoro uma pechincha dos outlets da Flórida, com suas camisas Polo (de emblema pequeno, pelo amor de Deus) a 20 dólares...
Adicionalmente, vale uma outra reflexão. Os poucos executivos sêniores que ganharam (merecidamente) uma boa bolada, não deveriam ser tomados como referência. E a imensa maioria de trabalhadores que habitam locais não tão nobres na pirâmide organizacional, como ficam? Vão ter que aguentar até o fim, rezando para não serem desligados? Qual a saída que nossa sociedade moderna traz a isso? Não tenho uma resposta pronta e fácil para isso. E olha que até já fui ao Posto Ipiranga e não encontrei esta resposta!
O fato concreto é que nosso mundo corporativo precisa de mais sorrisos, mais ideais, mais felicidade, mais gargalhadas, senão o pessoal não aguenta. Podem os críticos dizer que isto é política de pão&circo, mas acho que precisamos passar por isso. Prefiro chamar de pragmatismo adulto. E isso pode começar em nós. Aliás, temos todos responsabilidade nessa mudança.
Não adianta apenas ficar olhando para cima e reclamando. Temos também que olhar para baixo e ajudar quem lá está. Isto é necessário e contagiante. Se todos fizerem isso, ao invés de apenas olharem para seus próprios umbigos, a coisa começa a mudar. É só perceber que nós também estamos “abaixo” de alguém. E não adianta vir com aquela conversinha hipócrita dizendo que quem está em cima tem que dar o primeiro passo.
Nós também estamos “em cima”. É tudo uma questão de referência. Se eu tenho algum funcionário que me ajuda em casa, tenho que fazer a vida dele(a) o mais bacana que eu puder. Isso volta.
Por que tratar mal meu funcionário em casa, reclamando de tudo, desde a camisa mal passada até o pó no batente da porta que eu mesmo não limparia? Por que querer “dar o troco do que eu sofro” em quem está mais embaixo socialmente? Se eu quero extravasar as “porradas” que tomo na empresa, é melhor para todos que o faça na academia ou praticando esporte, ioga, pilates ou afins. Sempre aprendi que a gente só briga com quem é do nosso tamanho ou mais forte. Bater em fraco é covardia...
Em suma: mais sorrisos, menos cara feia. Mais cafés-da-manhã do seu departamento todo mês. Mais camaradagem. Mais apoio ao coleguinha. Mais palavras amigas. Tem que ter um “relief”, senão ninguém aguenta. O mundo corporativo vai demorar para mudar, mas o caminho pode ser mais ou menos dolorido de acordo com o modo como enfrentamos o mesmo.
Quantas pessoas podem ganhar seu “fuck off money” ainda a tempo de desfrutar os prazeres da vida? Por que achamos bacaninha ver CEO’s resolvendo curtir a vida aos 40 se a grande maioria das pessoas não pode fazer o mesmo? Quantos gerentes que ganham uns R$ 15k/mês vão conseguir dar seu grito de liberdade antes dos 40 (se é que algum dia vão conseguir fazê-lo)?
De modo muito pragmático, acho que a vida corporativa vai mudar, não há sombra de dúvida. O pêndulo vai para o outro lado até se achar um novo equilíbrio. Mas enquanto isso temos que tornar o ambiente menos abrasivo para que todos consigam se re-empoderar no que tange à felicidade individual e assim, aos poucos, as coisas vão melhorar. Pode parecer profético, mas a sociedade recebe de volta aquilo que oferece ao Universo.
Não dá para semear tempestade e colher calmaria. Não dá para plantar cactos e obter orquídea. Lei da atração. Pura mecânica quântica. Ciência e zero de esoterismo. Tão simples quanto isso.
Como resumo, falta a resposta à pergunta: quem quer pendurar a chuteira cedo? Acho que lá no fundo, ninguém. O que a imensa maioria quer é poder escolher o que fazer. Não adianta fugir. O centro de nossa vida é o trabalho. Infelizmente. Ou felizmente.
Eu bolei uma estratégia poder estar no “driver seat” e não no “passenger seat” da carreira. Não é rocket science, mas exige disciplina e foco no longo prazo. E muita auto-análise para descobrir o que cada um quer fazer quando conseguir chegar “lá” (whatever that means). Falarei mais sobre isso no próximo artigo!
Abs e boa semana!