Coluna
Publicado em
20/6/2023 11:04

Quem quer pendurar a chuteira cedo?

Colunista fala sobre abrasividade do mundo corporativo
Componente decorativo no bloco representando as cores do FLJ.
Pixabay

Por Odoardo Carsughi

Recentemente reli uma matéria interessante sobre executivos que decidiram largar suas bem sucedidas carreiras e, mesmo estando em posições de destaque (C-Level e etc), resolveram “pendurar a chuteira” antes dos 50.

O texto me fez refletir bastante e gostaria de compartilhar com vocês alguns insights.

Em primeiro lugar, o ambiente corporativo está cada vez mais “abrasivo”, como diz a matéria. Até aí nada novo. Mas vamos pensar o porquê disto. A competição no mundo dos negócios é dura e todo mundo precisa “go the extra mile”, como aprendi desde cedo nas empresas que trabalhei. Trabalhar “long hours”, levar pendências para casa e estar conectado 24x7. Sempre se preocupando com a empregabilidade e entregando as metas (ou mais que elas) é a tônica. Aí ouço todo mundo falar: seguindo esta receita, vamos chegar lá!

Então eu me pergunto: chegar lá onde?

Acredito que a minha história pessoal possa ajudar você a entender o que é esse “onde”.

Disclaimer: o “onde” varia de pessoa para pessoa, mas a gente dificilmente sabe o endereço antes de tomar alguns tombos na vida e de vários cabelos brancos na cabeça. Ou de perder alguns deles. Ou ambos, tanto faz.

O meu “onde” foi o consultório do psiquiatra. Gente boa, inteligente, sarcástico e duro. Não gosta de mimimi. Só assim para funcionar comigo. Segundo ele, tive sorte, pois alguns pulam a etapa do psiquiatra e chegam direto ao cardiologista ou ao oncologista, de carro ou em casos mais extremos na ambulância que os leva ao PA de um hospital.

A minha história é bem comum: ambicioso, bem formado, inteligente e executivo padrão. Dediquei-me a vida inteira a mostrar (inconscientemente) a todos que era uma pessoa de sucesso: filho, profissional e marido exemplares. Tive uma boa fase invejável de carreira. Fui C-Level em empresas grandes e bacanas, tive poder e influência cedo nos lugares por onde passei. Mas as coisas começaram a desandar no meio do caminho. Muito foco no profissional e pouco no pessoal, entre outras coisas, resultaram em frustração pessoal e obvio no casamento sendo impactado. As demais esferas da vida começaram a balançar e aí bateu o desespero.

Tudo isto me fez repensar muita coisa, principalmente sobre o meu “onde” e também sobre o “como”.

Esta é apenas uma das muitas histórias que todos nós conhecemos. Conheço muita gente assim, ainda mais depois que comecei a fazer “counseling” ao pessoal mais jovem, na casa dos 30-40 anos.

Mas por que o trabalho é tão importante emocionalmente para tanta gente?

Para descobrir isso fui estudar. Uma das minhas paixões é estudar o relacionamento que o Homem moderno possui com o trabalho. Já li de tudo. Desde Domenico de Masi até um pessoal menos ortodoxo (ou heterodoxo, depende de como analisarmos). Fato concreto é que desde a Antiguidade, tinha um pessoal que vendia a ideia que trabalho é uma coisa pouco nobre e que o bacana era ficar pensando na essência da vida humana e nas suas complexidades. Esses gregos eram muito inteligentes mesmo. Por outro lado, quem tinha que trabalhar ficava bravo e a tensão social na relação Capital x Trabalho ganhava cada vez mais força. Desde aquela época a “senzala social” fervia, mas tinha seus ânimos aplacados de modo não muito politicamente correto para os dias de hoje.

Atualmente vejo muita gente reclamando da Europa mediterrânea e dizendo que os Alemães não tem que carregar todo mundo nas costas. Tipo remake de Formiga & Cigarra ou dos Três Porquinhos. Parênteses: adoro estas fábulas.

A dos Três Porquinhos é excelente mas meio mal formulada. A pergunta que sempre me ficou na cabeça é por que queriam que eu acreditasse que o mais esperto era o que fez a casa de tijolo e não brincava.

Para mim, o mais esperto era o que só brincava e depois foi se refugiar na casa do que era trabalhador. Não morria e se safava no fim! Hoje entendo que ele dependia de alguém, e que se esse alguém não fosse bacana para abrigá-lo, ele teria virado almoço de lobo mau. Mas independentemente desta avaliação super pouco imparcial que fiz, não tenho a menor dúvida que as fábulas fazem uma manipulação mental espetacular, rivalizando com o papel da religião.

Como geralmente parte dos envolvidos é uma criança, tudo fica mais politicamente correto e bonito. Mas voltando às críticas ao pessoal do Mediterrâneo, lanço aqui uma pergunta. O que é mais legal: refletir sobre a vida em um café, às margens do Sena ou do Arno ou trabalhar duro, mesmo que sejam poucas horas como bem fazem os alemães?

O fato concreto é que o ser humano gosta de curtir a vida, mas fica sempre com uma danada duma culpa porque o trabalho hoje é uma ferramenta de inserção social que separa os vencedores dos “losers”.

Conheço muita gente que tem uma boa grana e não precisaria “freak out” quando perde o emprego, mas que com o simples fato de ver os vizinhos ou a esposa saindo para trabalhar e ele de pijama, fica perdido e se abala emocionalmente. Este modelo de vencedor está impresso de modo indelével em nossas mentes e não percebemos o quanto isso nos impacta. Precisamos consumir para fazer a roda girar. Bullmarket né? E para consumir tem que ganhar dinheiro, provavelmente através do trabalho. Então este é o nome do jogo. Quem não consome não é útil para o sistema. Por consequencia, quem não trabalha também não é útil. As simple as that.

Então já que é difícil se desligar do trabalho, dá para melhor um pouco as coisas?

Vamos voltar à questão da abrasividade do ambiente corporativo. Não quero me debruçar sobre o que está acontecendo, mas sim pensar o que podemos, como indivíduos, fazer de diferente para mudar o jogo. Precisamos de um “New Deal”.

As coisas como estão são uma tragédia anunciada. Cada vez mais pessoas desmotivadas que precisam pagar as contas no fim do mês e um turnover alto muitas vezes contido por uma ou outra crise da Economia. Todos nós somos, em tese, ferrenhos defensores de uma vida corporativa onde a “joy de vivre” tenha espaço.

Mas quem de nós deixa de comprar as roupas na Zara ou na Forever 21, mesmo sabendo que a vida do pessoal que confecciona tais roupas não é das mais bacanas? Quem de nós já deixou de comprar uma Barbie de 5 dólares para a filha porque provavelmente lembrou que foram feitas em fábricas com modelos de administração que fariam até Taylor e Fayol morrerem de vergonha? Quem de nós deixou de aceitar uma proposta de outro banco para obter um rendimento melhorzinho para suas poucas economias porque parou 5 minutos e pensou que a melhor taxa é fruto de maior produtividade? E que esta maior produtividade não veio necessariamente de mais tecnologia aplicada, mas sim de um pouquinho de assédio moral?

Muita gente acha bacana o “Low price, everyday” do Wal-Mart. É fato que com preços mais baixos, todos podem comprar mais e aí a roda gira, mas alguém pensa no pessoal que lá trabalha e que ganha bem mal? Eu mesmo não penso e adoro uma pechincha dos outlets da Flórida, com suas camisas Polo (de emblema pequeno, pelo amor de Deus) a 20 dólares...

Adicionalmente, vale uma outra reflexão. Os poucos executivos sêniores que ganharam (merecidamente) uma boa bolada, não deveriam ser tomados como referência. E a imensa maioria de trabalhadores que habitam locais não tão nobres na pirâmide organizacional, como ficam? Vão ter que aguentar até o fim, rezando para não serem desligados? Qual a saída que nossa sociedade moderna traz a isso? Não tenho uma resposta pronta e fácil para isso. E olha que até já fui ao Posto Ipiranga e não encontrei esta resposta!

O fato concreto é que nosso mundo corporativo precisa de mais sorrisos, mais ideais, mais felicidade, mais gargalhadas, senão o pessoal não aguenta. Podem os críticos dizer que isto é política de pão&circo, mas acho que precisamos passar por isso. Prefiro chamar de pragmatismo adulto. E isso pode começar em nós. Aliás, temos todos responsabilidade nessa mudança.

Não adianta apenas ficar olhando para cima e reclamando. Temos também que olhar para baixo e ajudar quem lá está. Isto é necessário e contagiante. Se todos fizerem isso, ao invés de apenas olharem para seus próprios umbigos, a coisa começa a mudar. É só perceber que nós também estamos “abaixo” de alguém. E não adianta vir com aquela conversinha hipócrita dizendo que quem está em cima tem que dar o primeiro passo.

Nós também estamos “em cima”. É tudo uma questão de referência. Se eu tenho algum funcionário que me ajuda em casa, tenho que fazer a vida dele(a) o mais bacana que eu puder. Isso volta.

Por que tratar mal meu funcionário em casa, reclamando de tudo, desde a camisa mal passada até o pó no batente da porta que eu mesmo não limparia? Por que querer “dar o troco do que eu sofro” em quem está mais embaixo socialmente? Se eu quero extravasar as “porradas” que tomo na empresa, é melhor para todos que o faça na academia ou praticando esporte, ioga, pilates ou afins. Sempre aprendi que a gente só briga com quem é do nosso tamanho ou mais forte. Bater em fraco é covardia...

Em suma: mais sorrisos, menos cara feia. Mais cafés-da-manhã do seu departamento todo mês. Mais camaradagem. Mais apoio ao coleguinha. Mais palavras amigas. Tem que ter um “relief”, senão ninguém aguenta. O mundo corporativo vai demorar para mudar, mas o caminho pode ser mais ou menos dolorido de acordo com o modo como enfrentamos o mesmo.

Quantas pessoas podem ganhar seu “fuck off money” ainda a tempo de desfrutar os prazeres da vida? Por que achamos bacaninha ver CEO’s resolvendo curtir a vida aos 40 se a grande maioria das pessoas não pode fazer o mesmo? Quantos gerentes que ganham uns R$ 15k/mês vão conseguir dar seu grito de liberdade antes dos 40 (se é que algum dia vão conseguir fazê-lo)?

De modo muito pragmático, acho que a vida corporativa vai mudar, não há sombra de dúvida. O pêndulo vai para o outro lado até se achar um novo equilíbrio. Mas enquanto isso temos que tornar o ambiente menos abrasivo para que todos consigam se re-empoderar no que tange à felicidade individual e assim, aos poucos, as coisas vão melhorar. Pode parecer profético, mas a sociedade recebe de volta aquilo que oferece ao Universo.

Não dá para semear tempestade e colher calmaria. Não dá para plantar cactos e obter orquídea. Lei da atração. Pura mecânica quântica. Ciência e zero de esoterismo. Tão simples quanto isso.

Como resumo, falta a resposta à pergunta: quem quer pendurar a chuteira cedo? Acho que lá no fundo, ninguém. O que a imensa maioria quer é poder escolher o que fazer. Não adianta fugir. O centro de nossa vida é o trabalho. Infelizmente. Ou felizmente.

Eu bolei uma estratégia poder estar no “driver seat” e não no “passenger seat” da carreira. Não é rocket science, mas exige disciplina e foco no longo prazo. E muita auto-análise para descobrir o que cada um quer fazer quando conseguir chegar “lá” (whatever that means). Falarei mais sobre isso no próximo artigo!

Abs e boa semana!

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Foto panorâmica da tão famosa Faria Lima