Por: Luciano Costa
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse ontem que o Brasil iniciará conversas com a Venezuela para retomar importações de energia do país, que ocorriam até 2018, quando a nação vizinha suspendeu o fornecimento em meio à deterioração da economia local.
O movimento do governo, no entanto, vem em momento em que o Brasil vive um cenário de sobras de energia, e enquanto empresas do setor, como as listadas Eneva e Eletrobras, avaliam formas de ampliar ganhos com exportações de eletricidade.
No passado, as importações de energia da Venezuela para o Brasil ocorriam por meio de um “linhão” de transmissão que vai até Roraima, mas as condições de suprimento se deterioraram gradativamente, com fontes atribuindo os problemas à falta de investimento e manutenção nos equipamentos venezuelanos. Só entre janeiro e agosto de 2018, a cidade de Boa Vista, em Roraima, ficou no escuro por 35 ocasiões, antes que o “linhão” parasse de vez.
Em tese, a retomada do fluxo de energia da Venezuela, de geração hidrelétrica, poderia garantir custo menor em Roraima, que ainda não está conectada ao sistema elétrico interligado brasileiro e hoje é abastecida por termelétricas mais caras. Mas a Venezuela tem energia sobrando para importar? O “linhão” está em condições de funcionamento?
"Precisa ver as condições técnicas da linha. Estavam bem deterioradas", disse uma fonte do setor que acompanha o tema há anos.
"Não adianta ser teoricamente barato se não funciona, né?", questionou outro técnico.
Além disso, depois da aceleração da crise enfrentada pelo país liderado por Nicolas Maduro, o governo brasileiro realizou um leilão em 2019 para contratar soluções de suprimento alternativas para Roraima. Os acordos fechados na licitação, que incluem a contratação de uma térmica da Eneva, envolvem receita fixa de R$778,6 milhões por ano, durante 15 anos.
Somente no primeiro trimestre, a Eneva gerou receitas de R$176 milhões com o projeto Jaguatirica II, que supre Roraima, sendo R$135 milhões em receita fixa e R$41,3 milhões em variável, embolsada de acordo com o acionamento da usina, que poderia ficar sujeita a reduções se a Venezuela retomar o fornecimento.
Enquanto o presidente Lula fala na possibilidade de importações de Caracas, empresas de energia elétrica têm feito pressão sobre o governo no sentido contrário – querem autorização para exportar mais para Argentina e Uruguai, diante dos lagos cheios das hidrelétricas e dos preços baixos no mercado de eletricidade do Brasil.
Em maio, analistas do Bradesco BBI estimaram que empresas com ativos hidrelétricos, como a Eletrobras e a Engie, poderiam agregar até R$1 bilhão em receita adicional com exportações em 2023, sendo R$213 milhões para a ex-estatal. A Eneva, que opera usinas térmicas, pode obter EBITDA extra de R$346 milhões com exportações neste ano, se mantiver o ritmo do último trimestre de 2022, segundo a equipe do Itaú BBA.
Atualmente, só são autorizadas exportações de energia hídrica quando há excesso nos reservatórios. As empresas têm discutido com o governo a possibilidade de abrir exceções à regra, para manter as exportações e dar alguma previsibilidade de receita aos geradores.
Diante deste cenário, Lula poderia dar mais atenção às discussões sobre o chamado Linhão Manaus-Boa Vista, que conectaria Roraima ao sistema interligado do Brasil. O projeto foi licitado em 2011, durante a gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) – e mesmo após ter sido declarado prioritário pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ainda não tem uma torre sequer erguida, em meio a um complexo processo de licenciamento ambiental, devido a um trecho que atravessa terras indígenas.
Sob responsabilidade da Eletrobras e da Alupar, a construção deve começar neste ano, com orçamento de mais de R$1 bilhão. Caso supere as preocupações ambientais que têm travado os planos da Petrobras na Foz do Amazonas, por exemplo, e de fato saia do papel, o projeto pode fornecer uma solução estrutural para o atendimento de Roraima.
A retomada de importações de energia venezuelana, por outro lado, pode até fazer sentido, mas seria importante uma "análise econômica do que é melhor", segundo uma fonte técnica. Outra pessoa que acompanha o tema disse avaliar que o programa de Lula parece ter contornos mais políticos que técnicos, devido à suposta aproximação ideológica do Partido dos Trabalhadores com Nicolás Maduro.
"É o ‘Mais Médicos’ do setor de energia", brincou a fonte, em referência ao programa de governos petistas que importava médicos cubanos para atender pacientes no Brasil, em troca de pagamentos ao regime cubano.