Coluna
Publicado em
24/7/2023 14:03

Afinal, ESG "faz preço" ou é mais uma balela do mundo corporativo?

Ambiente de negócios mais progressista influencia empresas na prática?
Componente decorativo no bloco representando as cores do FLJ.
Unsplash

Por Odoardo Carsughi

Essa pergunta me é frequentemente feita, uma vez que uma das vertentes de meu trabalho como consultor e advisor é em Governança, o “G” do ESG.

Vamos iniciar meu raciocínio, começando por um disclaimer. Quem me conhece sabe que sou muito crítico e ácido com modismos que consultores usam à torto e direito para vender o Santo Graal que vai fazer, por exemplo, a empresa ir para o próximo nível, você alcançar sucesso sem esforço, perder peso comendo mal etc.

Gosto de usar a lógica para embasar minhas hipóteses e teses. É o que farei neste artigo.

Vamos pensar que eu estou querendo comprar um carro usado, um Toyota Corolla de 100k. Faço uma busca de mercado pelo modelo que desejo. Chego a um short list de 3. Praticamente iguais, mas com uma diferença. Em dois deles, os donos são senhoras, que dizem que usavam o carro com cuidado. Já no terceiro, uma pessoa que mostra um extenso book do carro, com todas as manutenções corretivas e preventivas feitas, através das NFs. Troca de pneus, pastilhas, discos, amortecedores, fluido de freio, óleo, fluido de arrefecimento e etc. Além disso, todas as perguntas que faço me são satisfatoriamente respondidas com farta documentação, além de uma vistoria cautelar de empresa idônea.

Agora faço algumas considerações: se o preço for o mesmo, eu vou nesse último. Se for um pouco mais caro, analiso o risco x retorno e vejo se vale a pena. Se for uma Porsche GT2, eu pago por tudo isso sem pestanejar. Isso se chama “pagar pela tranquilidade”. Quanto mais caro o carro, mais propenso a não correr riscos eu fico.

Isso se aplica à grande maioria das pessoas. Se chama análise de risco.

Agora vamos imaginar uma coisa bem mais cara que um carro: uma empresa com valuation de 400 milhões. Se estou colocando minha empresa à venda, ter um book com comprovação de todas as “manutenções & revisões”, certamente ajuda a mitigar a chance dos potenciais compradores acharem que minha empresa é um ”castelo de cartas”. E isso vai exigir muito menos esforço na due diligence por parte deles, o que é excelente.

Long story short1: o book de “manutenção” da empresa vai facilitar a venda, trazer liquidez e deve dar um upside de valuation, pois traz mais credibilidade.

Mas quem faz um book de “manutenção” na empresa? Qual é esse book?

Uma governança bem azeitada faz isso.

Imagina colocar no data-room, por exemplo, todas as atas das reuniões de CA, o calendário dos temas discutidos nos últimos meses, a matriz de risco e materialidade, alguns e-mails importantes trocados entre a auditoria interna e a externa durante a realização da auditoria do balanço, destacando por que um tema entrou como ressalva, PAA (Principais Pontos de Auditoria) e etc, explicando o que foi feito para endereçar cada ponto? Mostrar também redundância e isenção na valoração das provisões tributárias e trabalhistas, que não raramente são alvo de revisões, deixando com uma pulga atrás da orelha os operadores de mercado, sell side e buy side?

Isso passa segurança. Diminui a percepção de risco.

Não custa lembrar que à mulher de César não basta ser honesta, há que parecer honesta.

Se você é um founder em busca de um term sheet para escalar sua startup ou você está buscando um series B/C com cheque mais gordo, precisa passar credibilidade e confiabilidade. E uma farta documentação ajuda muito. Isso é no brainer.

Se você é um MD de um fundo e quer entregar esse cheque, vai querer se cercar de mais segurança através de fatos e dados. E uma empresa mais “redondinha” passa isso. No brainer, novamente.

Se você é um MD de fundo ou founder que estão numa estratégia de evento de liquidez ou exit total, precisa passar o máximo de credibilidade aos potenciais compradores. No brainer #3. 

E arrumar a casa na hora de vender não funciona. Tem que ter uma história criada ao longo do tempo. Na hora de preparar para a venda, é só juntar tudo e embrulhar para presente com um “laço” bem bacana.

Então, a resposta para a pergunta do título pode ser dada após esse meu arrazoado:

ESG faz preço sim. Faz upside em valuation.

Mas, desde que seja feito direito. Fazer para inglês ver não pode. Vai backfire, estragar o deal e triturar reputações, de CPF e de CNPJ. Greenwashing hoje se pega facilmente. E “enfeitar a noiva” para o casamento tem grandes chances de dar errado.

Vou dar mais um exemplo de carros.

Estava há muitos anos atrás olhando um modelo de Audi pelo qual era apaixonado. Achei um usado que estava lindo. Lindo demais. Como sou desconfiado, alguma coisa me dizia que havia algo de errado que eu não havia visto ainda. Era minha intuição. Depois de mais de meia hora olhando o carro de cima a baixo, abri novamente o capô e passei os olhos em tudo, com mais calma. Notei uma bateria de 3ª linha, com uma amperagem muito abaixo da especificada pelo fabricante. Pensei: como eu não havia notado isso antes? Eu já havia olhado a bateria e percebido que era ruim. Mas isso havia sido um processo inconsciente. Meu cérebro já havia registrado este ponto negativo. Eu que não me havia dado conta.

Fechei o capô na hora e agradeci o vendedor, dizendo que não ficaria com o carro. Lembrei do livro Blink, de Malcolm Gladwell, e da tese que julgamos inconscientemente (snap judgement) e que não devemos descartar esse processo.

Meu take: se o dono do veículo faz uma coisa dessas em um item que eu posso olhar, o que ele terá feito com aquilo que eu não posso comprovar?

Quem quer dormir com essa dúvida?

E se fosse a empresa de 400 milhões que eu citei antes?

Quem quer dormir com uma dúvida num deal desses que pode estragar a rentabilidade do portfolio?

Long story short2: a linha que separa burocracia/redtape de coisas que agregam valor é tênue. Então bom senso nisso. E vou usar de novo duas frases que adoro:

  1. Better safe than sorry
  2. O diabo é diabo porque é velho e não porque é esperto

Uma boa decisão de negócio tem que passar pelo crivo dos números no due diligence. Mas tem que passar pelo crivo da intuição. Snap judgement do Gladwell.

Nunca, jamais deixe de lado a intuição, pois ela é muito poderosa.

Caso você queira se aprofundar em como estruturar uma governança robusta na sua empresa, leia a matéria que escrevi recentemente clicando aqui.

Um abraço e boa semana!

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Foto panorâmica da tão famosa Faria Lima