Por Paulo Boghosian
A regulação é um dos temas mais complexos e debatidos do mercado de criptoativos. Reguladores e participantes do mercado discutem, por vezes publicamente, quais devem ser as diretrizes para esse novo e inovador mercado.
De um lado, fundadores e executivos de grandes companhias envolvidas no mercado de criptoativos alegam que é fundamental que as regras aplicadas sejam suficientemente flexíveis de modo a não pressionar equipes e não atrapalhar os processos de inovação. Ao mesmo tempo é necessário haver clareza sobre o que se pode ou não fazer, dando um mínimo de segurança jurídica para quem está criando produtos e experimentando com novas tecnologias.
De outro lado, o regulador tenta enquadrar esse novo universo de tecnologias e tokens nos padrões utilizados pelas agências na economia tradicional e nas diretrizes de proteção do investidor do mercado financeiro. Aliás, a maior parte dessas leis são da década de 1930.
A Securities Exchange Comission, órgão responsável por regular valores mobiliários nos Estados Unidos, vem sendo pressionada por políticos por não ter conseguido evitar escândalos como a falência da corretora FTX, ou o caso Terra Luna, que destruíram patrimônio de investidores em larga escala. Os dois casos juntos destruíram mais valor que o famoso esquema de pirâmide de Bernie Maddoff na década de 1980 – um dos mais emblemáticos casos de fraude dos EUA.
Vale notar que a FTX tinha relação bastante próxima com a SEC.
Nas últimas semanas, a SEC anunciou uma série de ações regulatórias sobre o mercado cripto. Gary Gensler, presidente da comissão, parece ter mudado de postura diante da pressão política, aplicando uma mão pesada na indústria. Em duas semanas, a regulação já atingiu a Kraken, uma grande corretora centralizada; e a Paxos, emissora da stablecoin BUSD, utilizada na Binance.
A Kraken chegou a um acordo com o regulador para de oferecer serviços de staking as a service. Staking é o processo de deixar criptomoedas travadas em uma blockchain, de forma a participar da rede de validação de transações e, com isso, receber uma recompensa financeira periódica. O problema é que para fazer isso, na rede Ethereum, são necessários cerca de 32 Ethers (algo próximo de US$50 mil), e é necessário ficar ligado à rede constantemente, o que torna a prática inviável para o investidor comum. A Kraken oferecia um serviço de facilitação desse processo, cobrando uma taxa por isso. A SEC considerou que essa facilitação tornava o processo semelhante a um esquema de investimento de valores mobiliários por terceiros, apesar de ser um serviço de tecnologia.
Já no caso da Paxos, a SEC estabeleceu que a stablecoin BUSD se trata de um valor mobiliário. O trabalho da Paxos é receber depósitos em dólar e convertê-los em BUSD. A companhia ganha dinheiro com os juros recebidos a partir dos dólares dos clientes depositados em fundos caixa. Para a agência, isso se assemelha ao trabalho de fundos tradicionais de renda fixa. Aqui, a polêmica é que o investidor que compra as stablecoins não tem expectativas qualquer de ganhos, apenas quer uma ponte entre o mercado tradicional e o ambiente cripto. A Paxos foi compelida a suspender a emissão de novas moedas e oferecer resgates para os detentores de BUSD. Para muitos, isso se tratou de um ataque direcionado pela SEC à corretora Binance, que mais utiliza a BUSD.
Esses dois casos levam a um entendimento de que o mercado cripto está sob uma “repressão regulatória”, que visa criar obstáculos para o seu desenvolvimento. Isso não ocorre apenas nos Estados Unidos por conta da chamada jurisdição extraterritorial – a mesma que permite os EUA a ordenarem prisões de traficantes mexicanos, por exemplo. Com essa manobra jurídica, a SEC pode regular projetos cripto no exterior, bastando que estes ofereçam produtos que potencialmente possam “prejudicar” os investidores americanos.
Até mesmo a simples classificação dos tokens ainda é muito nebulosa. Ainda não está claro se as criptos devem ser reguladas como moedas, commodities, ações ou propriedades específicas.
É lógico que as agências regulatórias americanas precisam seguir um conjunto de diretrizes previstas em lei. Algumas das medidas da SEC foram criticadas por congressistas americanos por estarem fora da alçada da comissão. Segundo o deputado Tom Emmer, do partido Republicano, por exemplo, seriam necessárias mudanças na lei para que a SEC pudesse realizar estas medidas.
O conjunto de regras utilizado no mercado americano para avaliar se um ativo é ou não um valor mobiliário vem de 1933. Esse processo passa por um teste conhecido como Howey Test, que é uma série de perguntas qualitativas que visam identificar se algo se trata de um valor mobiliário. O prolema é que o Howey Test é abrangente demais e incapaz de resolver a questão anterior para as criptos.
Além de todas essas dificuldades, mesmo dentro da SEC há bastante divergência sobre a repressão regulatória encabeçada por Gensler. A comissária Hester Pierce emitiu um comunicado logo após o caso que acometeu a corretora Kraken alegando ter uma opinião contrária à do chefe da SEC, algo bastante incomum.
Saindo dos Estados Unidos, a regulação das criptos toma uma forma ainda mais complicada. Se mesmo dentro da SEC não há consenso em relação ao tema, quem dirá junto a reguladores de outros países, especialmente entre rivais geopolíticos. Nesse sentido, nações que impuserem a este mercado regras mais frouxas podem receber migração de capital e tecnologia de forma massiva. Caso a SEC continue com a mão pesada e a repressão regulatória, é provável que os Estados Unidos percam um mercado de mais de um trilhão de dólares em capitalização. Para projetos cripto, é bastante simples mudar de jurisdição nacional.
À luz dessa análise, é preciso afirmar: a regulação do mercado cripto é fundamental e será importante no desenvolvimento dos mercados e na entrada de capital institucional. Mas é precoce realizar uma repressão regulatória aos projetos antes de que se defina um arcabouço para essa regulação.
O tema é extremamente complexo e abrangente, e a tecnologia evolui muito mais rápido do que a regulação, o que cria um ambiente muito desafiador. Certamente, a regulação se configura como risco ou oportunidade – a depender do caminho – para os investidores de Bitcoin e outras criptos.
Pessoalmente, não acredito que o drama regulatório termine em qualquer tipo de proibição das criptos nos Estados Unidos, mas reconheço o desafio que isso configura para os investidores, reguladores e desenvolvedores dos ativos tokenizados.